Perto dele o Cristo Redentor parece um brinquedinho”.
Foi mais ou menos assim que o New York Times se referiu à opulência da obra erguida na cidade de São Paulo.
Análises profundas à parte, o templo é algo realmente enorme, quase tão grande como a bizarrice das regras elencadas em vídeo instrutório sobre como se portar no local.
Se o dia está devagar e você ainda não cumpriu sua cota de estranhezas.
Veja abaixo:
Antes da examinar as regras, importante notar que a IURD deixou claro que o Templo de Salomão (que, na verdade, é de Edir Macedo) é a casa de Deus, de maneira exclusiva – ainda assim não se chama “Templo de Deus”. Se você procura Jeová em qualquer outra filial, o nome já diz: é filial. Deus “em pessoa” só lá na sede, mas vamos às normas de conduta:
1 – Credencial:
“Quando eu for à São Paulo, vou entrar nesse templo pra conhecer…só por curiosidade.” Não vai por que não é bagunça. Primeiro é necessário comparecer à uma das várias igrejas universais (ainda bem que existem muitas!) e pegar sua credencial, agendar o dia e a hora que irá visitar o templo, igual como era feito na época de Salomão.2 – Trajes:
Por mais que combatamos a vaidade, até mesmo nas igrejas é impossível não nos preocuparmos com nossa vestimenta. Sempre evitamos repetir a roupa do último domingo ou guardar aquele traje melhor pra usar no culto. Esse problema não existirá já que é proibido o uso de: *respira* minissaias, roupas curtas (tipo minissaia), decotadas, sensuais, uniformes de time, uniformes de empresas, uniformes no geral, roupas com mensagens políticas, roupas com mensagens comerciais, bermudas, chinelos, regatas, bonés e óculos escuros.*respira*Sim, bastava dizer: “sport fino”. Agora quem for não corre o risco de ficar ao lado daquele mendigo fedorento ou de ser tentado por aquela irmã pecadora com coxas grossas. Só fica uma dúvida: e CROCS? Pode?
3 – Segurança e privacidade:
É proibido gravar, filmar e fotografar o que é meio inútil já que vai passar o tempo todo na madrugada da Record.Por conta disso, segue mais uma “pequena” lista do que não pode levar:
Equipamentos de captação de vídeo, captação telefônica ou de dados.
Smartphones, rádio, tablets, iPods, celulares, câmeras fotográficas ou de vídeo e coisas semelhantes meu Deus, o que mais faltou nessa lista pra ser considerado como “coisas semelhantes.
Mesmo desligados, os aparelhos não podem entrar e serão barrados na revista pessoal que será realizada pelos “guardas do templo”, vulgo seguranças.
Basicamente, os únicos itens pessoais permitidos são carteiras e bolsas.
4 – Atrasos e horário:
As portas fecham 5 minutos antes de cada celebração, atingido o horário é regime de lock down: quem tá fora não entra e quem está dentro é requisitado a não sair por qualquer motivo. Mas, afinal, quem depois de passar por tudo isso para entrar iria querer sair sem motivo?É como ir a um parque de diversões, gasta-se um dia quase inteiro para estar lá então é melhor sentar e aproveitar o que quer que seja até o fim.
5 – Fotografia:
Como fotos são proibidas, a frente do templo possui fotógrafos para registrar a visita e cada pessoa poderá baixar a foto on-line.Note que a única coisa que possui preços absurdos em qualquer lugar do planeta será ao que parece de graça, mostrando que o Templo de Salomão tem de tudo…até ironia.
6 – Dentro do santuário:
Dentro não se pode conversar, rir ou “coisa semelhante”.Até então comportamento padrão dentro de igrejas e templos, a diferença vem para a proibição expressa de se guardar lugar.
Ou seja, se sua célula, grupo pequeno ou “coisa semelhante” não chegar junto eles vão sentar separados e não vai ter Bíblia, bolsa, folhetim ou “coisa semelhante” que irá salvar seu grupo da separação.
Esse é interessante.
7 – Visitas ao tabernáculo de moisés, cenáculo e jardim bíblico:
A partir de agosto do corrente ano a atração estará completa.Só vai ficar faltando a Universal inserir uns figurantes fantasiados, restaurantes temáticos, montanha russa da vida cristã com seus já clássicos altos e baixos e uma crucificação interativa onde você poderá chicotear Jesus e pregá-lo na cruz.
Assim fomentou o jornalista com um tom de risos.
O que há em comum entre Las Vegas e Disneylândia com a réplica do Templo de Salomão construída pela Igreja Universal?
Las
Vegas é a cidade que irradia hiper-realismo kitsch para todo o planeta
com suas réplicas da Torre Eiffel, Esfinge de Gizé e palácios romanos da
Antiguidade. Ao lado da Disneylândia, foi o primeiro parque temático da
História, complexas cenografias de neons, gesso, concreto e metal que,
assim como o Templo da Igreja Universal, exploram a fé nas entidades
“espirituais” – Deus, jogo, sorte e animações digitais. E assim como
shoppings e prédios corporativos espelhados, o Templo é mais um “bunker”
em uma cidade que não se integra. Mais um exemplo de arquitetura da
destruição, dessa vez a serviço da teologia da prosperidade cuja igreja
esconde a mesma natureza dos cassinos: a banca sempre ganha.
Os detalhes que envolveram a construção do complexo de 74 mil m2 de área construída são faraônicos: todo o piso do templo e o altar são revestidos com pedras trazidas de Israel.
O altar traz a Arca da Aliança, descrita na Bíblia como o local em que Salomão construiu para guardar os Dez Mandamentos no primeiro Templo, em torno do século 11 a.C, em Jerusalém.
Foram ainda trazidos do Uruguai doze oliveiras para reproduzir o Monte das Oliveiras, local sagrado onde Jesus teria transmitido alguns dos seus ensinamentos.
Desde 2010 sob investigação pelo Ministério Público, fala-se em alvarás irregulares, desrespeito à lei de zoneamento, falta de contrapartidas de trânsito exigidas pela CET, irregularidades na importação de matérias usados na construção etc.
Templo de Salomão: parque temático religioso? |
Mas
até aqui está se passando batido por uma questão básica: como assim,
uma luxuosa réplica do Templo de Salomão no meio do bairro industrial e
de comércio popular do Brás? Em meio a velhos prédios industriais,
cortiços onde vivem bolivianos e peruanos explorados pelas oficinas de
confecção do bairro, ergue-se um complexo que ocupa um quarteirão
inteiro que ainda conta com heliponto para o alto staff da IURD. O que esse violento contraste representa?
A retórica promocional da “obra jamais vista na atualidade”, como regozija o jornal da IURD Folha Universal,
como não poderia deixar de ser é teológica: dar a oportunidade aos
fiéis de pisar no chão que testemunhou os eventos bíblicos. Porém, as
raízes da inspiração dessa réplica do Templo são bem mais terrenas e
estão bem aqui, no presente.
Ironias e sincronismos:
A
noção de parque temático transformou-se em um paradigma cultural do
pós-modernismo. Tudo pode se converter em cenografias, réplicas ou
pequenos universos fechados em si mesmos onde turistas, crentes ou
jogadores podem ser transferidos para mundos virtuais. Para o filósofo
francês Jean Baudrillard a própria realidade estaria sendo
“disneyficada”, isto é, cidades e paisagens se convertendo em réplicas
de parques temáticos e filmes publicitários de TV. Pense em cidades como
Campos do Jordão ou a cidade de Cancun no México: a primeira, onde
fachadas e paisagismo fazem de tudo para se assemelhar aos cartões
postais europeus e comerciais de TV de chocolate; e a segunda se esmera
em se aproximar dos simulacros do México construídos por Hollywood.
Da réplica da esfinge de Gizé em Las Vegas
ao Templo de Salomão em São Paulo
A Teologia da Prosperidade:
Mas
por que essa seminal noção de parque temático foi irradiada dos EUA
para todo o planeta? O que essas suntuosas réplicas kitschs da Torre
Eiffel de Las Vegas ao Templo de Salomão em São Paulo querem nos dizer?
Nesse ponto, turistas, crentes e jogadores estão unidos por um
denominador comum ideológico que animam essas réplicas vazias: a
teologia da prosperidade.
Las Vegas vende a fé no sonho americano da sorte da iniciativa
individual, escondendo o fato de que a banca sempre ganha; turistas
querem demonstrar a si mesmos e para os outros o sucesso pessoal em
fotos ao lado das suntuosas réplicas (não por acaso vendiam nas
imediações do Templo de Salomão camisetas do tipo “Eu estive lá” no dia
da inauguração); e religiosos que acreditam nas bênçãos financeiras de
Deus em templos dourados fakes.
Las Vegas vende a fé no sonho americano da sorte da iniciativa
Dos shoppings ao Templo: a estética “bunker” |
O Kitsch e o pastiche: a arquitetura da destruição:
O kitsch, fake
e pastiche predominam na estética do novo riquismo da teologia da
prosperidade do Templo de Salomão. É a estética dos novos tempos:
pilares e pedras são cenográficos, sustentados na verdade por estruturas
metálicas e de concreto; luz amarela para criar uma atmosfera de
“rusticidade”; obreiros da igreja vestidos de “levitas” (termo do Velho
Testamento, “descendentes de Levi”, um dos 12 filhos de Jacó) para
recepcionar os visitantes; o batistério, colocado atrás da Arca da
Aliança, com vitrais dourados no teto e no fundo para criar a sensação
de que o batismo ocorre no interior da Arca; menorás (castiçal de sete
braços) enormes estilizadas em dourado na entrada… e dourado, muito
detalhes em dourado por todo lado, a verdadeira cor fetiche do novo
riquismo.
Tudo
no templo é efeito especial, ilusão, simulações, um verdadeiro trompe
l’oeil com truques de perspectiva e ilusões de ótica. A essência dos
parques temáticos que une a Las Vegas, a matriz de toda ideologia que
pretende esconder que a banca sempre vence.
E
como acabamento o pastiche: ao lado da simulação da Arca da Aliança uma
esteira rolante destinada a carregar o dízimo dos fiéis diretamente
para uma sala-cofre!
Mas há outra ironia no Templo de Salomão, dessa vez arquitetônica e urbanística: sua suntuosidade é agressiva, tal como os bunkers
em que se converteram os shopping centers e prédios corporativos
cercados por fachadas espelhadas. Eles não se integram organicamente com
a paisagem urbana, mas se convertem em microuniversos fechados em si
mesmos, protegidos por escudos do meio ambiente hostil.
O kitsch e o pastiche do novo riquismo |
A
cidade de São Paulo tem uma tradição nesse, por assim dizer, “ecletismo
arquitetônico” onda nada se integra, tornando o cenário urbano ainda
mais agressivo: dos “monstrumentos” como a estátua do Borba Gato aos bunkers
dos shoppings e prédios espelhados, o Templo de Salomão que se
assemelha a uma gigantesca caixa de pedra que de repente se ergue em
meio de depósitos e cortiços é a confirmação dessa verdadeira
arquitetura da destruição.
O ascetismo mundano da Igreja Universal:
Mas
até aqui ainda estamos fazendo um exercício de análise puramente
estético e arquitetônico. O Templo de Salomão representa algo mais
profundo e preocupante que se conecta com a arquitetura da destruição: o
“ascetismo mundano” da teologia da prosperidade.
O
sociólogo alemão Max Weber viu na ética protestante uma espécie de
ascetismo mundano, bem diferente da ética católica: enquanto no monge o
impulso da fé é voltado para o interior, ao
contrário, na ética protestante há um componente mundano ou externo no
ascetismo pela necessidade de demonstrar não somente a Deus, mas aos
outros a sua renúncia e sacrifício, provando a todos ser um merecedor
das graças divinas.
Mas
essa ética protestante se hipertrofiou no pentecostalismo com a
teologia da prosperidade: não basta apenas deixar obras na Terra para
ser merecedor das bênçãos divinas. É necessário criar uma imagem de
sucesso e prosperidade. Deus precisa se certificar que você acredita
Nele. Por isso, nessa espécie de marketing pessoal divino o crente deve
se demonstrar positivo, assertivo e seu sucesso deve ser realçado e
divulgado.
Talvez
daí compreendamos o porquê do pentecostalismo ser tão apegado às
imagens e histórias do Velho Testamento do que aos ensinamentos de
compaixão, perdão e amor ao próximo do Novo Testamento: a teologia da
prosperidade é severa com o indivíduo que deve vencer a todo custo.
É uma teologia intolerante com os perdedores, assim como o Deus do Velho Testamento era com os pecadores.
É uma teologia intolerante com os perdedores, assim como o Deus do Velho Testamento era com os pecadores.
A
suntuosidade kitsch do Templo de Salomão é autorreferencial: quer
demonstrar não apenas a Deus, mas principalmente aos seus próprios fiéis
que a IURD é próspera e vitoriosa, e principalmente que cada um dos
visitantes poderá ter um quinhão do seu sucesso.
Assim
como os jogadores que adentram em um cassino de Las Vegas, crentes na
sorte de agarrar uma fração da riqueza de toda aquela suntuosidade de
réplicas em neons. O problema é que a banca sempre ganha.